Imigrantes aprendem português com professores voluntários no Centro Vida
Débora Fogliatto
Em uma pequena sala de aula, cerca de 15 homens ouvem atentamente uma jovem que escreve no quadro. “Abajur vem do francês, certo? Alguém pode me dizer o que é um abajur?”, questiona ela, enquanto todos olham para a folha de papel que receberam e tentam responder. A professora acaba explicando por si só o que é o objeto, e recebe olhares de compreensão e acenos com a cabeça por parte dos alunos. Cerca de meia hora depois, outra mulher entra, carregando fatias de bolo e suco de laranja, que é recebido com entusiasmo pelos jovens.
Os alunos eram todos imigrantes haitianos ou senegaleses, alojados no Centro Humanístico Vida, na zona norte de Porto Alegre. O local, que congrega diversas entidades comunitárias e sociais gerido pela Federação Gaúcha de Trabalho e Ação Social (FGTAS), foi o espaço encontrado pelo poder público para abrigar o grupo de cerca de 50 imigrantes que chegaram à capital gaúcha, vindos do Acre, no final de maio.
Até metade de agosto, ainda estavam lá 41 haitianos e 13 senegaleses, mas o número vem diminuindo ao passo em que alguns encontram emprego em cidades da região metropolitana, conseguem mais estabilidade financeira ou vagas que contam com alojamento incluído. Enquanto permanecem no Centro Vida, buscam aperfeiçoar seu português, através das aulas fornecidas pela ONG Afinco (Associação de Filhos Nascidos do Coração), que opera dentro do local e conseguiu duas pessoas para ensinar a língua.
Muitos dos imigrantes são bilíngues ou poliglotas: os que vêm do Haiti, país que tem como línguas oficiais o francês e o criole, já sabem esses dois idiomas e, muitas vezes, também são fluentes em espanhol. Já os senegaleses também falam francês, além de wolof, língua nativa da maioria da população, e em alguns casos dialetos locais e inglês. Sem ter tido contato com o português antes de chegar ao Brasil, os imigrantes contam com alguns companheiros que entendem melhor o idioma e os ajudam a traduzir, ou se beneficiam da semelhança com o espanhol.
A diretora da Afinco, Yassanan Costa, conversa com “os meninos”, como ela os chama, falando devagar e gesticulando. Nos diálogos, eles parecem compreendê-la, mas dão respostas curtas e simples. Para Erick e Romeus Fidele, haitianos que sabem espanhol, entender o que é dito não é difícil, embora nem sempre eles próprios sejam compreendidos pelos brasileiros, afirmam. “Lá, era difícil ter trabalho”, explica Erick sobre sua vinda ao Brasil, acrescentando que “a vida está mais ou menos” em seu país de origem.
Os ofícios realizados pelos imigrantes no Brasil nem sempre condizem com sua profissão no país de origem: Abner, que agora trabalha como cozinheiro, não exercia a profissão no Haiti. Sorridente, mas tímido, ele afirma “estar adorando” o novo emprego, e Yassanan conta, orgulhosa, que ele recebeu muitos elogios de seu chefe. Já Fábian, que era agricultor, agora trabalha na parte de limpeza e organização na Clínica do Sono. Yassanan conta que, embora fale pouco português, ele foi contratado após os supervisores o entregarem uma lista de afazeres em francês, os quais ele passou a cumprir prontamente.
Os haitianos vivem todos juntos em um grande quarto, onde colchões empilhados formam camas, com seus poucos pertences dispostos em volta. Discretos e desconfiados, preferiram que não fossem tiradas fotos do local onde vivem. “Já vieram jornalistas aqui e mostraram e isso não nos trouxe nada”, explicou Erick diante do notável descontentamento de alguns amigos.
Embora falem a mesma língua, haitianos e senegaleses não dividem o quarto. Os imigrantes convivem com tranquilidade e fazem as aulas de português juntos, mas acabam interagindo mais com seus conterrâneos. Quem ajuda muito na relação com os funcionários do Centro Vida é Ibrima Abrahm, que nasceu em Gâmbia, pequeno país que faz fronteira com o Senegal, e se mudou para a nação vizinha. Depois, ele rumou para Cabo Verde, país insular próximo à costa senegalesa, que foi colônia portuguesa. Lá, aprendeu o português, que agora utiliza no dia-a-dia para se comunicar com facilidade.
Ibrima recentemente conseguiu emprego na construtora que trabalha na nova Ponte do Guaíba, junto com outros três senegaleses. Ele conta que há 11 imigrantes oriundos do país hospedados no Centro Vida atualmente. “Estou gostando muito do Brasil, pretendo mandar dinheiro para minha família. Ainda não tenho esposa, mas quero ajudar minha mãe”, conta. Yassanan pergunta, brincando, se ele pretende conseguir uma esposa brasileira, ao que ele responde sorridente que não sabe, mas está focado no trabalho no momento.
As aulas são fáceis para Ibrahim, mas ele as frequenta mesmo assim. “Sim, essa aula é boa. Eu não aprendo nela, mas vou para ajudar os outros”, conta ele, que fala quatro línguas. Inicialmente, as aulas aconteciam apenas nas terças-feiras pela manhã e tarde, mas devido à grande quantidade de pedidos para que elas fossem oferecidas também à noite, a Afinco passou a procurar um professor.
Foi assim que Vânia Alves, formada em Comércio Exterior, começou a lecionar, há cerca de um mês. Ela, que passou recentemente uma temporada na Europa, conta que se interessou por ajudar os imigrantes quando retornou de viagem. “Eu também já morei fora e fui estrangeira, sei que não é fácil. Quando eu voltei, queria fazer algum tipo de voluntariado e procurei a Afinco. Quase ao mesmo tempo, surgiu a demanda pelas aulas na segunda à noite”, relata.
Atualmente, ela segue um cronograma e busca fazer as aulas serem funcionais, práticas, para ajudá-los em seu cotidiano. “Sempre vem bastante gente nas aulas, o que é ótimo. E muitos entendem espanhol, então isso facilita. A gente lê jornal, vê notícias, até para eles poderem se inteirar”, afirma. Segundo a professora, os alunos são muito dedicados, copiando tudo o que ela escreve no quadro e fazendo questionamentos.
Afinco
A ONG existe desde 2008, quando a professora da rede estadual Yassanan decidiu começar a fazer mais do que até então por seus alunos. Na época, ela ajudou um jovem estudante cujo pai estava internado com HIV e tuberculose, e o apadrinhou, acompanhando ele e sua irmã. “Daí que me veio essa ideia de fundar uma ONG”, conta ela, que inicialmente pensou em fazer um serviço de abrigagem para crianças órfãs. Por motivos legais, isso não foi possível, o que resultou na ideia de promover cursos para pessoas com pouca escolaridade.
Assim, a ONG foi criada e começou a oferecer cursos gratuitos. Atualmente, são dez, dos quais apenas o de cuidador de idosos é cobrado um pequeno valor para cobrir os custos dos professores. Um dos que tem maior procura é de informática para maiores de 50 anos: são 196 pessoas para apenas seis computadores, além de uma lista de espera.
Agora, além dos cursos, a Afinco também trabalha, juntamente com a coordenação do Centro Vida, para hospedar bem os imigrantes. “Fomos atrás de estrutura, nos Bancos Sociais consegui comida, roupa e colchões. Eles estão muito bem aqui, mas claro que logo terão que sair”, conta. A previsão é que eles possam ficar cerca de mais um mês além do que já passaram lá.
Yassanan observou que a maior parte dos imigrantes não é miserável e tem escolaridade de pelo menos Ensino Médio em seus países de origem, mas mesmo assim estão dispostos a realizar diversos tipos de trabalhos. “Eles não são coitados, como muitas pessoas pensam. Eles são trabalhadores que vieram aqui com um objetivo”, afirma. Ela busca conhecer “os meninos” em confraternizações que realiza no próprio Centro Vida. “Eles têm boa vontade, são educados. É a mesma situação de quando um brasileiro vai tentar a vida na Europa”, reflete.
Alegre e extrovertida, Yassanan é conhecida entre os imigrantes como “mami”, por se considerar realmente uma figura materna para eles. Quando precisa de algum trabalho manual na associação, oferece uma quantia de dinheiro para algum dos meninos que esteja sem emprego, além de ajudá-los a conseguir vagas, lidar com os patrões e trocar de trabalho, caso estejam insatisfeitos.
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