A Ucrânia no Paraná
Fotos: Márcio Pimenta
Ao chegarem no Brasil, os ucranianos encontraram terras férteis, mas passaram fome até conseguirem estrutura e um pedaço de chão para plantar
É em Prudentópolis, a 200 km de Curitiba, que está o coração do país do Leste Europeu no Brasil. Os primeiros imigrantes chegaram ainda no século 19
No Centro-Sul do Paraná, entre florestas de araucárias e verdes campos de aveia e trigo, está Prudentópolis, o coração da Ucrânia no Brasil. Estima-se que 70% da cidade de 50 mil habitantes sejam descendentes de imigrantes ucranianos que aportaram por aqui no século 19. Os 30% restantes são divididos entre descendentes de italianos, poloneses, alemães e alguns brasileiros misturados.
Os ucranianos começaram a chegar por volta de 1894 quando deixaram a Província da Galícia, no extremo Leste do então império austro-húngaro. Foram seduzidos pelos agentes das companhias de navegação que faziam rotas para as Américas. Brasil e Canadá eram os principais destinos. Sem conhecimento sobre o Brasil, tinham como única fonte de informação o relato dos agentes, que não tinham escrúpulo ao fazer promessas para convencer os imigrantes, afirmando que eles iriam encontrar desde “terras sem senhores” a “estradas feitas de esmeraldas”.
Laços familiares
Educação e religião ajudam a preservar a cultura
Nas escolas públicas de Prudentópolis, as crianças têm aulas em português e em ucraniano e praticam o idioma dos ancestrais em conversas na hora do recreio ou em situações do cotidiano, com os familiares. Mas nem sempre foi tão fácil. No fim da década de 1930, com o início do “Estado Novo” e a eclosão da 2ª Guerra Mundial, o governo de Getúlio Vargas – com o pretexto de preservar a segurança nacional – proibiu a prática de línguas estrangeiras em público, mesmo em atividades religiosas. O Pratsia, jornal de língua ucraniana, foi fechado.
“Na escola, nós assistíamos às aulas com os estudantes brasileiros. Mas após à aula, a catequista nos levava para a floresta e lá subimos nas árvores enquanto ela ditava as lições em ucraniano escondida atrás de algum pinheiro, de modo a não atrair a atenção das autoridades”, lembra Madeleine Zakaluguem Kolecha, 82 anos.
Hoje ela mantém um museu particular com objetos e fotografias herdados dos pais e avós e ensina a língua para a neta Lívia, de 3 anos. O Pratsia está em plena circulação e as cerimônias religiosas em ucraniano são transmitidas por uma rádio local. A religião tem importante papel no fortalecimento da memória. As famílias se reúnem nas missas e as crianças participam ativamente das atividades do culto. E em cada comunidade rural há igrejas e capelas. “A cultura flui do povo, não é imposta”, afirma orgulhosa Meroslawa Krevey.
Os imigrantes fizeram uma viagem rumo ao desconhecido. O destino deles foi o Paraná, que pretendia usar os estrangeiros para consolidar a ocupação de parte das fronteiras do Brasil e produzir alimentos para abastecer a região. Mas eles chegaram a uma terra de promessas quebradas: Prudentópolis era, então, apenas uma rua de lama com uma única linha de telégrafo, rodeada por uma grande floresta de pinheiros e nenhuma infraestrutura. Nem mesmo os lotes prometidos estavam demarcados. No início, os colonos se viram diante da fome e da morte. Foram necessários anos de resistência para que os ucranianos pudessem construir novas relações sociais e efetivamente pudessem trabalhar na terra.
Cultura
A luta hoje é diferente: manter a cultura viva e distinta depois de um século no Brasil. Uma frente nessa batalha é o Museu do Milênio. Lá podem ser encontrados muitos dos artefatos e ferramentas utilizados pelos colonos em seus primeiros anos no Brasil. O espaço é cuidado pela catequista e curadora, Meroslawa Krevey, que atende aos visitantes falando em ucraniano ou português. “O ucraniano que chega aqui se sente em casa, assim como nós nos sentimos ao chegar lá”, diz.
Com as batalhas no Leste da Ucrânia, onde a Rússia – após tomar o território da Criméia – ameaça agora tomar a região de Donetsk – o patriotismo fica mais evidente entre os descendentes em Prudentópolis. Durante o festival anual Veréneke, que foi programado para coincidir com o Dia da Bandeira Nacional da Ucrânia, em 23 de agosto, as flâmulas do país estavam em plena exibição durante a festa, que contou até mesmo com a presença do cantor pop ucraniano Tarás Kurchyk, que subiu ao palco cantando uma versão de “What a Wonderful World”. A soberania da Ucrânia está mantido, pelo menos em Prudentópolis.
Movimento de intercâmbio é intenso entre os jovens
Todos os anos alguns brasileiros são beneficiados com bolsas do governo ucraniano para estudar no país natal dos antepassados. Foi o caso dos primos Alessandro Stucki e Juliano Gaiocha. Eles passaram os últimos cinco anos estudando Engenharia Eletromecânica em Lviv, bem a Oeste da capital Kiev. Aprenderam o idioma no Brasil, na fazenda onde moravam com os pais, mas ao chegar a Ucrânia descobriram que a língua que aprenderam foi uma versão “arcaica” que não tinha evoluído desde o dia que os bisavós chegaram ao Brasil.
Mas tiveram pouca dificuldade na adaptação, graças a um produto brasileiro de exportação: o futebol. Em Lviv, eles fizeram amizade com os jogadores brasileiros do FC Karpaty Lviv: William Batista, Eric de Oliveira Pereira e Danilo Avelar. Nos fins de semana juntavam-se para fazer churrascos e até feijoada (sementes trazidas do Brasil brotaram em solo ucraniano).
A descendente Oksana Jadvizak formou-se em História no Brasil e estudou mestrado na Ucrânia, onde pesquisou sobre o início da religião greco-Católica no Brasil. Mas após concluírem os cursos, a saudade – e o início do conflito na Ucrânia – obrigou-os a voltar para casa e viver na fazenda da família, mais uma vez.
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1500142&tit=A-Ucrania-no-Parana
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