sábado, 26 de abril de 2014

Paraíso para os haitianos, Santa Catarina vê crescer o número de imigrantes em busca de trabalho.
 

                               
Dispostos a reconstruir o que sobrou de suas vidas depois da destruição causada por um terremoto em 2010, eles buscam uma realidade não tão dura

O número de haitianos em Santa Catarina não para de crescer. Apesar de não haver uma estatística oficial dos órgãos federais, os imigrantes que fogem da miséria do Haiti podem ser vistos com mais frequência em Florianópolis, Itajaí, Balneário Camboriú e Navegantes. Na Delegacia da PF (Polícia Federal) em Itajaí são atendidos em média 80 haitianos diariamente. No Aeroporto Internacional Hercílio Luz, em Florianópolis, entre sábado e segunda-feira desembarcaram pelos menos 15 haitianos.

A porta de entrada dos haitianos no Brasil é a região amazônica, principalmente Acre e Manaus. Lá, eles permanecem até surgir uma oportunidade no “Sul Maravilha”, como se referem aos Estados da região Sul.

Aqui, encontram lados opostos. Todos procuram e precisam de trabalho, paz e dinheiro. Mas do outro lado enfrentam a saudade, o preconceito e a desvalorização do trabalho – o que rende menos dinheiro que o esperado. Dispostos a encarar qualquer problema para reconstruir o que sobrou de suas vidas depois da destruição causada por um terremoto em janeiro de 2010, os haitianos buscam em Santa Catarina uma realidade não tão dura, que os permita ao menos sonhar com um futuro melhor.

Grande parte desses imigrantes passa por Florianópolis, mas muitos se fixam no litoral Norte, com destaque para as cidades de Itajaí, Balneário Camboriú e Navegantes. Nos últimos meses, muitos começaram a ir para o Oeste do Estado.

Independente da cidade, o sonho é o mesmo. “Eu vim para Santa Catarina em busca de trabalho, que vai me dar dinheiro. E o dinheiro ajudará minhas filhas e minha mulher que ficaram no Haiti. É só por isso que estou aqui, porque pela saudade não vale a pena”, disse Jean Reynold, 36 anos, que saiu de Manaus há seis meses e veio de ônibus até Florianópolis, onde permaneceu por dois meses. Em Itajaí, Reynold se diz satisfeito: “Tenho trabalho e estou bem aqui”.

O delegado Ildo Rosa, responsável pela comunicação social da PF, explica que pelos problemas decorrentes do terremoto no Haiti, o Brasil concedeu asilo aos haitianos na condição de refugiados - apesar de não se enquadrarem nesta definição - por questão humanitária. Hoje, entretanto, existe a preocupação das autoridades pela carência de infraestrutura no Brasil. “O povo do Haiti tem as mesmas necessidades que os brasileiros. Será possível atender a todos?”, questionou.

Oitenta haitianos por dia na PF de Itajaí

A Delegacia da PF (Polícia Federal) em Itajaí tem um setor exclusivo para estrangeiros. Localizada no Itajaí Shopping, no Centro, a delegacia é ponto de encontro dos imigrantes que buscam os federais para regularizar a situação em Santa Catarina. Um agente do setor, que preferiu não se identificar, informou o número de pessoas atendidas. “A gente atende uns 80 haitianos diariamente. Ontem (segunda-feira), foram 79. Mas vocês viram como está hoje, são muitos”, apontou, enquanto a reportagem contava 18 haitianos aguardando atendimento.

A quantia elevada, disse o policial, está sobrecarregando o trabalho da PF na cidade portuária. “Em Florianópolis e Joinville não é assim. Itajaí é o local que mais têm recebido os imigrantes”, afirmou.

Na PF, os haitianos precisam comunicar as autoridades sobre mudança de endereço e prorrogar protocolo de permanência – que tem validade de seis meses. A polícia ainda faz o registro dos que já têm o pedido de refúgio aprovado e atendimento às pessoas que vêm do Haiti com o visto de permanência para o Brasil. “Eles conseguem o visto no consulado brasileiro de Porto Príncipe ou em qualquer outro consulado”, disse o agente.

Litoral

Itajaí, Balneário Camboriú e Navegantes têm abundante oferta de empregos em setores carentes de mão de obra, como em construções, supermercados e galpões da indústria naval. É numa empresa da construção civil de Balneário Camboriú que Jean Monfiston, 29 anos, recomeçou sua vida há dois anos, depois de perder irmãos e primos no terremoto de 2010.

Com a mulher, a vinda para Santa Catarina já gerou um fruto, que atende pelo nome de Cristopher. “Nosso filho nasceu aqui, é brasileiro. Só isso já valeu ter vindo para o Brasil”, comemorou o haitiano, que é presidente da Associação dos Haitianos de Balneário Camboriú e um dos que ajudam os conterrâneos recém-chegados.

Há 20 quilômetros de Monfiston, em Itajaí, Adam Stanley, 28, trabalha na construção civil. Feliz por ajudar as três filhas que ficaram no Haiti, ele lamenta o fato de que seu dinheiro é todo destinado aos familiares. “Eu tenho alojamento no emprego. Ganho R$ 1.000, mas com os descontos dá R$ 850. Com o que mando para a família, não sobra quase nada, sem falar que alguns são preconceituosos aqui no Brasil”, reclamou. “Mas não dá para desistir”, completou.

E não dá mesmo. Samuel Ceus, 32, só esconde os dentes brancos quando lembra da família que ficou no Haiti. Operário, ele larga o instrumento de trabalho e se emociona ao falar das filhas gêmeas. Agora que está aqui, ficará para conquistar algo para elas. Mas já obteve duas conquistas: “Arrumei uma namorada brasileira e torço para o Figueirense”, contou.

Mais de dois mil haitianos em três cidades

Secretário de Inclusão Social de Balneário Camboriú, Luiz Maraschin afirma que cerca de 600 haitianos vivem na cidade. A maioria está empregada. Além da construção civil, os supermercados têm requisitado a mão de obra haitiana. “Empreiteiras e supermercados são os principais locais que eles trabalham, além da empresa que faz a limpeza da cidade”, disse.

Em Navegantes e Itajaí, a emergente indústria naval também recebe os trabalhadores do Haiti. Secretária de Assistência Social, Maria Flor calcula que o município tenha mais de 700 imigrantes haitianos. Em Itajaí, a Secretaria de Relações Institucionais e Temáticas informa que mais de 2.000 haitianos vivem na microrregião dos três municípios.

Diferença na terminologia

O professor do curso de Relações Internacionais da Unisul, Rogério Santos da Costa, esclarece que os haitianos que residem no Brasil não são necessariamente refugiados. “A pessoa que está exilada pode ser refugiada e não ter necessariamente asilo político ou social. O exílio está associado ao asilo como condição diplomática sobre qualquer situação de perseguição, o que não é a condição da maioria dos haitianos. Porém, um refugiado não é necessariamente um asilado”, afirmou.

Costa ainda confirma que a maioria desses haitianos é asilada. “No caso do Haiti, essas pessoas não são consideradas exiladas. Mas depende da situação. O refúgio é provisório, o asilo é permanente. São status jurídicos diferentes”, concluiu.

Documentação em dia

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, para obterem a Carteira de Trabalho, os haitianos precisam de um protocolo específico da Polícia Federal e uma certidão do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), órgão vinculado ao Ministério da Justiça. “Os haitianos costumam entrar pelo Brasil pelo Acre, e nos procuram por documento de pendências. Aqui na Capital não são muitos, mas sabemos que este número tem aumentado no país”, relatou Fernando Caieron, delegado da Delegacia de Imigração de Florianópolis.

Perante a assistência social prestada a esses haitianos, o governo do Estado afirma que a política de atendimento aos estrangeiros em vulnerabilidade social é a mesma oferecida aos demais cidadãos. As famílias estrangeiras podem procurar os Cras (Centros de Referência de Assistência Social). São 342 Cras em 270 municípios.

No Cras, os estrangeiros são inseridos no Cadastro Único do governo federal para terem acesso a programas como Bolsa-Família e Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego). Após terem toda a documentação legalizada, os estrangeiros podem se cadastrar para uma vaga de trabalho nos postos de atendimento do Sine (Sistema Nacional de Emprego).

LEGALIZADOS
Passo a passo para a regularização

1. Polícia Federal – regularização da permanência por meio da concessão de visto, solicitação de refúgio ou requerimento de expedição da cédula de identidade de estrangeiro.

2. Acolhida na assistência social no município que recebe inicialmente o imigrante – o imigrante deve ter garantida a acolhida pela assistência social por meio do Serviço de Acolhimento para Adultos e Famílias; levantamento da situação socioeconômica das famílias e indivíduos; oferta de orientações de acesso e encaminhamento para as demais políticas públicas; acompanhamento das famílias; cadastro da família ou indivíduo no Cadastro Único para programas sociais do governo federal.

3. Receita Federal – emissão do CPF (Cadastro de Pessoa Física).

4. Ministério do Trabalho – emissão de carteira de trabalho e previdência social.

5. Política de saúde – atenção básica (primeiro acompanhamento, imunização e cartão do SUS).

6. Sine - intermediação de mão de obra no município que recebe ou no de destino.

7. Encaminhamento para educação ou trabalho – cursos técnicos de português para estrangeiros e cursos profissionalizantes.

Fonte: http://www.jornalfloripa.com.br/emcimadahora/site/?p=noticias_ver&id=3579

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