CAMINHO DO IMIGRANTE
“Não fui eu quem escolheu Passo Fundo, foi Passo Fundo que me escolheu” imigrante do Senegal, Mamour Ndiaye encontrou no município gaúcho a esperança de uma vida melhor.
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.“Eu vim sem dinheiro, com 37 reais no bolso.”
Mamour Badiane Ndiaye, de 35 anos, há cinco encontrou em Passo Fundo oportunidade de emprego e de uma vida melhor. Mas vida de imigrante não é fácil, a prática iniciou em 1530 com a vinda dos portugueses ao Brasil e não parou de se intensificar. No caminho do imigrante a vida é imprevisível. “Tive dinheiro para pagar duas diárias em um hotel, era 15 reais a diária.” Mas, quando o dinheiro acabou, foram quinze dias dormindo nos bancos da rodoviária de Passo Fundo. “Eu tenho mão, eu tenho cabeça, eu prefiro lutar. Prefiro dormir duas, três ou quinze noites na rodoviária e de manhã cedo eu entro nos banheiros, lavo a cara e vou atrás de trabalho. Quem procura acha. Se você quer ir pra frente, você vai mesmo. Você não depende de braço de um ou de outro.” E assim, o senegalês seguiu, até juntar dinheiro para poder voltar ao hotel.
Mamour Ndiaye é um entre as centenas de imigrantes senegaleses que Passo Fundo acolhe atualmente. Desde 2009 na cidade, ele já conseguiu melhorar de vida, hoje é comerciante, vende esculturas em madeira, vindas da África, e gerencia uma lan house, lugar em que “seu povo”, como costuma tratar os conterrâneos do Senegal, mantêm o contato com a família.
Passo Fundo, porém, não estava nos planos de Mamour. Depois de pouco mais de um ano viajando e procurando um lugar ao sol, quando estava na Argentina, ouviu falar da terra do Teixeirinha. Num primeiro momento, ouviu dos hermanos que a documentação no município era obtida com mais rapidez e quando chegou aqui, além dos documentos encontrou emprego e esperança. “Eu cheguei aqui com Deus e foi Deus quem me ajudou”. Na época, vigorava no Brasil a Lei da Anistia e através dela o senegalês pediu sua permanência no Brasil. Chegou falando três línguas oficiais – inglês, francês e espanhol – e mais os dialetos africanos; hoje, já domina o português e ajuda os conterrâneos que continuam chegando na cidade, a conseguirem emprego e documentos.
“Fiquei sem comer nada, durante muito tempo, mas o estômago não fala. Quem de vocês pode falar se eu tomei café hoje de manhã?” questiona, desafiador. Quando saiu do Senegal, Mamour buscava conhecer outra cultura e melhorar a vida para poder ajudar a mãe e os irmãos que ficaram no país, mas não foi fácil. “A imigração é uma opção. É difícil. Você tem que saber aguentar. A imigração é uma universidade da vida. Você aprende a viver.” Apesar da realidade do Senegal e do Brasil ser diferente, se adaptar a uma nova cultura é fácil: o difícil é as pessoas da cidade se adaptarem ao novo, ao povo senegalês. “O que estamos fazendo hoje aqui em Passo Fundo é aprender, estamos tentando mostrar ao povo passo-fundense que nós, também, podemos” diz o comerciante.
Quando morava no Senegal, Mamour trabalhava como marceneiro, em Passo Fundo já foi carpinteiro, construtor e feirante, até montar sua loja. A ligação com a cidade hoje, não é apenas de gratidão – ele tem uma filha de três anos, Mere Soda Ndiaye, que é passo-fundense. “Ela é brasileira, tem passaporte brasileiro” comenta. Além dele e da filha, sua mulher, Khady Diown também está em Passo Fundo, e é uma das duas mulheres senegalesas na cidade – chegou aqui seis meses depois do marido.
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“Os negros tem que se manterem fortes”
Martin Luther King, Barack Obama, Nelson Mandela, Joaquim Barbosa, Bob Marley, Pelé. Todos negros. Para Mamour, os homens mais sábios do mundo são negros e as pessoas tentam não enxergar. Embora o senegalês diga que Passo Fundo seja uma boa cidade para morar, sofre com o preconceito todos os dias. “A raça branca acha que é superior à raça negra, mas não é. Deus sabe que não é. Vocês podem me falar que sabem que não são superiores, mas eu não sei o que passa no seu coração. Eu não posso julgar, ninguém pode julgar” desabafa, referindo-se ao ainda difícil relacionamento com a população passo-fundense.
Segundo ele, cerca de 300 senegaleses vivem na cidade. O número pode não ser percebido no dia-a-dia, porque muitos se locomovem apenas do trabalho para casa. E quando o preconceito os assombra, chorar é uma das formas para aguentar e continuar no rumo dos seus sonhos de uma vida melhor. O senegalês lamenta que enquanto o pensamento dominante não muda “o mundo estará terminantemente em guerra”. Ele não fala por falar: tem exemplos. “Há alguns dias eu entrei em uma pizzaria e o vigilante não queria me deixar entrar. Era uma pizza que valia 48 reais e ele achou que eu não poderia pagar. Eu estava vestido de africano, porque não tenho complexo disso, não tenho problema em usar as roupas africanas, se eu me sinto bem com essa roupa, eu vou usar essa roupa. Se fosse qualquer branco entrando na pizzaria, eles abririam a porta e o atenderiam, para mim, eles pediram ‘o que eu queria’. O que se quer quando se vai a uma pizzaria?”
Mamour, no entanto, não cogitou processar o restaurante. “Eu conheço os meus deveres e os meus direitos. Eu sou um homem livre, tenho liberdade, eu não sou um escravo. Os negros tem que se manterem fortes” declara.
Em cinco anos, Mamour voltou duas vezes ao Senegal, e o que arrecada no Brasil, divide com a família e amigos que veem nele uma forma de esperança. “Deus sempre escolhe o melhor para a gente” afirma o imigrante que, mesmo longe 6,264 km da terra natal, acredita que Passo Fundo possa continuar mudando a sua vida e a de muitos senegaleses que ainda estão por vir.
Fonte: http://www.upf.br/nexjor/?p=30825
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