segunda-feira, 29 de junho de 2015

Um pedaço do Senegal no Rio Grande – 

Atualmente, cerca de 200 senegaleses vivem na cidade do Rio Grande

Um pedaço do Senegal no Rio Grande – 1ª Parte
Senegaleses muçulmanos durante culto na Mesquita
Chegando pelo céu – bem diferente do que acontece com os africanos, que se abarrotam em barcos e arriscam a vida nas águas do Mar Mediterrâneo, numa tentativa de sobreviver na Europa – milhares de senegaleses hoje vivem no Brasil. Divergindo de outros países em que existem conflitos étnico-religiosos, que, muitas vezes, obrigam o nativo a deixar o país, no Senegal, atualmente, não há conflitos. Mas a motivação em deixar o país e os que amam para trás é a mesma nos dois casos; os africanos não procuram riqueza ou primam pelo conforto, eles arriscam tudo em busca de uma vida digna, para si e para os que amam.
Sem se preocuparem com o próprio conforto, deixando para trás pais, filhos e esposa, cerca de 200 senegaleses residem hoje em Rio Grande. Grande parte mora em alojamentos pelos bairros da cidade, alguns trabalham com carteira assinada e outros vendem artigos pessoais nas ruas do Centro da cidade. Todavia, nenhum quer ficar parado, porque o objetivo de todos, sem exceção, é apenas um: trabalhar bastante para poder enviar dinheiro para suas famílias, que ficaram lá no Senegal.
A partir dos depoimentos, percebe-se que os quase 7 mil quilômetros que separam a cidade do Rio Grande de Dakar – capital do Senegal – não conseguem separar os laços afetivos entre as pessoas, tampouco diminuir sentimentos e o senso de responsabilidade e cuidado para com o outro, que os senegaleses cultivam mesmo distantes. Acompanhe, nesta série, o dia a dia dessas pessoas que assumiram o risco do desconhecido em busca de emprego e dignidade, munidos, muitas vezes, apenas de esperança, uma boa educação e um belo sorriso.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) destaca, atualmente, os senegaleses como o principal grupo de solicitantes de refúgio. Segundo dados do ACNUR, 2.164 solicitações de refúgio, por parte de senegaleses, estão em trâmite no Comitê Nacional dos Refugiados (Conare).
Mas, por que será que os senegaleses querem tanto sair de seu país? Com base no que vem acontecendo na Europa, as apostas eram todas baseadas em supostas fugas: guerras, conflitos étnicos e miséria. Estas possíveis respostas eram muito atrativas aos olhos da imprensa.
Porém, com o passar do tempo e com o contato com essas pessoas, percebe-se que a questão mais interessante a ser abordada não era simplesmente o que os fez sair de lá, mas, sim, o que os faz ficar aqui e, também, o que os faz sonhar em um dia voltar para o Senegal. Todas estas questões têm a mesma resposta: família.

A chegada e as primeiras impressões 
Quando foi entrevistado Mamadoudeme, o risonho estrangeiro havia chegado em Rio Grande há apenas uma semana. Cheio de esperança, Mama veio de avião do Senegal, desceu no Acre e seguiu até aqui de ônibus. Contou que, até aqui, fez duas paradas, uma em São Paulo e a outra em Passo Fundo, devido às duas cidades possuírem grandes associações senegalesas, que recebem os imigrantes e os auxiliam com suas eventuais necessidades.
Sua decisão em deixar a terra natal foi impulsionada pelo objetivo que move também a maioria de seus compatriotas: juntar dinheiro. Apesar do pouco tempo no País, Mama disse – com a tradução do amigo Dame, outro senegalês que o leitor conhecerá na próxima edição – estar gostando do lugar e das pessoas. Contou-nos, também, a respeito da tática que estava usando, durante a primeira semana, para tentar evitar um estranhamento muito grande. “Eu estou no Brasil, mas estou achando que ainda estou no Senegal, faço isso pra não ficar triste. Fico sempre pensando que estou no meu país”, revela.
Em seu país, Mama, deixou os pais, os irmãos, a esposa e os seis filhos. Lá, ele trabalhava em barcos de pesca, em alto mar, e é neste ramo que pretende conseguir trabalho também aqui. E, para isso, Mama já está preparado. Em apenas uma semana no País, já está munido de sua carteira de trabalho e indo em busca de uma ocupação. Talvez, ao conseguir realizar o que aqui veio fazer, Mama possa enfrentar a mudança e aceitar o lugar onde está.
Sobre as diferenças entre os dois lugares, Mama acredita que a mais marcante seja o religião. “Lá somos a maioria muçulmanos, aqui são cristãos, a vida é diferente e a maneira de viver também, mas eu estou me sentindo bem aqui”, disse, sempre sorrindo, completando que pretende ficar no Brasil durante três ou quatro anos.
Um fotógrafo limpando peixe
Esta é a realidade do senegalês Abdou Lahat, 35 anos, que está em Rio Grande há quase 3 anos. Visando a maiores ganhos e, também, à possibilidade de uma vida mais digna para a família, que ficou no Senegal, o homem deixou a cidade de Louga – a 200 km da capital Dakar – e, logo que chegou aqui, conseguiu trabalho em uma indústria de peixe e, de lá, não mais saiu.
A reportagem encontrou Abdou com a ajuda da coordenadora da Pastoral do Migrante, irmã Ariete D’Agostini. Apesar da grande maioria dos imigrantes senegaleses serem muçulmanos, eles são assistidos pela Pastoral. O alojamento onde vivem Abdou e outros seis senegaleses é uma casa grande, no Centro da cidade, mas em uma zona um pouco perigosa. Peças amplas, largos corredores, paredes úmidas e poucos móveis fazem parte da decoração do local.
Era uma quarta-feira à noite, um deles preparava o jantar. “Sim, ele está preparando o jantar, será peixe e arroz. Cada dia é um que cozinha, meu dia é sexta”, disse o africano ao se referir ao cozinheiro do dia, outro senegalês que preparava o jantar, cantando trechos de funks brasileiros.
No começo, Abdou se mantinha econômico com as palavras, limitava-se a responder com poucas sílabas as perguntas que eram feitas a ele, mas, pouco a pouco, foi sentindo-se confortável e acabou contando como é sua vida aqui e como era a sua vida no Senegal.
  
A cidade e a vida em Louga
A língua falada em Louga é o Wolof – lingua-mãe de 40% da população do Senegal – e a cidade conta com pouco mais de 82 mil habitantes, tendo na agricultura sua principal atividade. Lá, Abdou trabalhava como fotógrafo no estúdio da família, fazia a cobertura de festas de casamento e aniversário, editava fotos e criava vídeos para os clientes.
Em Louga, ficou a esposa Nara – com quem fala, todos os dias, por facebook e viber – e, também, o pai, a mãe e os cinco irmãos. Sobre sua cidade, Abdou foi objetivo e respondeu outras questões: “Louga não tem mar, é uma cidade pequena, que tem muita agricultura, eu sinto saudades de lá […] eu tinha um emprego que eu gostava muito, mas, aqui, o salário é melhor, aqui é mais fácil de conseguir trabalho”.
Sobre o seu país, Abdou disse: “Senegal tem lugares muito bonitos, tem mar em uma cidade perto da minha. Lá tem muitas meninas bonitas e, aqui, também, as brasileiras também são muito bonitas”, disse, com um pouco de vergonha.
No Brasil: sonhos e a saudade do Senegal
“Difícil pra chegar aqui, muito difícil, saí do Senegal, parei na Espanha e, depois, no Equador. De lá pegamos um ônibus para o Acre, depois, São Paulo e Passo Fundo, para, depois, eu vir para Rio Grande”.
Toda essa saga levou cerca de 10 dias e mudou a vida de Abdou. Com os documentos temporários feitos ainda no Acre, o fotógrafo – agora sem câmera – enfrentou os perigos das estradas e veio parar em Rio Grande, no extremo sul do mapa.
Em Rio Grande, Abdou trabalha o dia todo na fábrica. No resto do tempo, ele passa no computador, conversando com a Nara e fazendo outras coisas. As bijuterias – muito comuns de serem vendidas por seus compatriotas nas ruas da cidade – nunca chegaram a ser comercializadas por ele. E, para quem tem curiosidade sobre a procedência dos adornos vendidos pelos africanos, segundo informações, as peças vêm da cidade de São Paulo, procedência comum de vários produtos comercializados em estabelecimentos tradicionais do Rio Grande.
Sobre diversão, o calmo Abdou disse não ter distração. “Eu não faço nada, fico em casa sempre, não gosto de sair de casa”, contou. Levando em consideração a música que era cantarolada pelo companheiro de Abdou, pensou-se que o senegalês também ouvia músicas para relaxar, mas não. “Eu não escuto essas músicas, eles sim [referindo-se ao colega], eu apenas ouço os cantos da religião”. Abdou é muçulmano, mas não tem conseguido frequentar a mesquita devido aos horários de trabalho. “Eu não consigo, porque eu trabalho na hora do culto”, lamenta. Porém, os preceitos da religião são seguidos pelo africano.
Em casa, Abdou divide seu tempo em conversar com os amigos, com a esposa, através da internet, e fazer vídeos românticos para enviar para Nara – quando a reprtagem foi à casa de Abdou, faltava cerca de uma semana para o Dia dos Namorados, e os vídeos para a amada já estavam prontos. “Sim, eu sou muito feliz aqui, não me arrependo de ter vindo, mas o mais difícil daqui é que tenho muita saudade dela [esposa Nara]”.
Abdou diz gostar muito da cidade. “Eu gosto daqui, me acolhem bem aqui e eu gosto de muitas coisas daqui. Aqui, não tem preconceito e, por isso, eu só espero ter um bom trabalho, ganhar mais e conseguir economizar”, conta um pouco de seu objetivo e acrescenta: “as pessoas são muito abertas aqui, não mais do que no Senegal, mas, quando tu é uma pessoa de outra cultura e de outra cor, tu pode ficar isolado. Mas, no Brasil, tu não fica isolado. Aqui, no Brasil, quando a gente pede ajuda, eles [brasileiros] param de fazer tudo que estiverem fazendo só pra ajudar você. Aqui, eu não passei dificuldade”, afirmou, parecendo estar muito agradecido.
Sobre os ganhos no Brasil, Abdou explica que parte do que ganha vai para a esposa e para a mãe no Senegal. Com a quantia que consegue economizar mensalmente, Abdou pretende retornar à sua cidade de origem. “Sim, eu vou voltar sim. Agora, eu não consego voltar, então é melhor esperar o documento permanente para poder voltar”, disse, referindo-se ao visto permanente que pretende conseguir.
O Senegal
A República do Senegal se localiza na África Ocidental, banhada pelo Oceano Atlântico a oeste, e conta com cerca de 13,5 milhões de habitantes, em uma área de 196.722 km² – tamanho semelhante ao estado do Paraná, porém, com 3.000 km² a menos e com 2 milhões de pessoas a mais. Apesar de apresentar um dos regimes econômicos e sociais mais estáveis da África Ocidental, o país ainda enfrenta muitos desafios na erradicação da pobreza e da desnutrição, principalmente no meio rural.
Grande parte de sua população sobrevive da agricultura e, de acordo com o Banco Mundial, quase a metade dela (46,7%) vive abaixo da linha de pobreza. Apesar dos esforços governamentais no tocante à nutrição e à segurança alimentar, que têm feito os níveis de desnutrição caírem ano a ano, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) estima que um quarto do povo senegalês deva apresentar algum tipo de desnutrição.
A capital, Dakar, é uma das cidades mais populosas da África Ocidental e, mesmo ocupando apenas 0,28% do território nacional, abriga metade da população urbana do país. Dakar também concentra 25% da população nacional e 80% das atividades econômicas de todo o país.


*Com base nas informações dos sites http://www.gouv.sn/ e http://www.fao.org/home/en/

Na próxima edição, acompanhe a história de luta e humildade do senegalês Muhamed Danse Diop, que morou em Caxias do Sul, antes de escolher Rio Grande como sua segunda casa, e que sonha com a volta ao continente africano.
Por Esther Louro
esther@jornalagora.com.br
Fonte: http://www.jornalagora.com.br/site/content/noticias/detalhe.php?e=3&n=74344

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