quinta-feira, 9 de maio de 2013


FIM DA ‘REPÚBLICA’ DO HAITI NO CENTRO DE SP

Despejo põe fim à ‘república do Haiti’ no centro de SP.
Sob o olhar atento de policiais militares e federais, cerca de cem imigrantes haitianos deixaram no início da manhã de ontem (07/05/2013) um imóvel que, até a semana passada, ocupavam sem saber que estava em situação irregular.
Era o fim, como base numa decisão judicial, de uma espécie de república informal de haitianos instalada no centro de São Paulo. Entre os despejados, há de pedreiros a sociólogos, com idade entre 13 e 40 anos.
Todos estão na cidade em busca de emprego, mas a maioria está sem ocupação e se sustenta com dinheiro enviado pela família. Apenas três deles falam português, mas com o sotaque bem carregado.
Eles receberam a ordem de despejo na quarta-feira passada. Só então ficaram sabendo que o imóvel é alvo de litígio há mais de 15 anos devido a uma ação trabalhista.
Os haitianos pagavam aluguel a um homem identificado apenas como Marcos, responsável por pagar as contas de água e energia.
Foi ele quem instalou divisórias e loteou o espaço, transformando o que era um grande vão em 26 “quartos”, e sublocou essas unidades.
Cada inquilino pagava R$ 350 por um lote, alguns deles um pouco maiores que uma cama de casal. Aqueles que conseguiram mais espaço puderam mobiliá-lo com fogão e geladeira.
“Há dois meses, talvez já sabendo que viria a decisão, Marcos sumiu e deixou de pagar as contas”, disse o pedreiro Odaniel Joune, 34, natural de Saint Michel de l’Attalaye
Sem luz e água quente, essa centena de haitianos se revezava para usar dois banheiros, um deles sem a torneira da pia. O forte odor revelava a dificuldade de manter a higiene no local. Um rato cruzou o caminho da reportagem durante uma entrevista.
Retirada
Ontem (07/05/2013), a polícia chegou ao local no final da madrugada. Todos deixaram o imóvel de forma pacífica e até com bom humor. Os sorrisos e as brincadeiras, no entanto, não escondiam uma apreensão: onde dormiriam naquela noite?
Eles foram encaminhados para abrigos, segundo Mônica Quenca, assistente social da Missão Paz, ONG responsável pelo atendimento aos estrangeiros e pela intermediação com a prefeitura. Já os móveis foram todos levados para um depósito.
“Eles não serão deportados. Muitos estão com a documentação regularizada, e os que não têm vão receber passaporte humanitário”, disse.
Universitários, haitianos falam cinco línguas e atuam como intérpretes
Entre os haitianos despejados, em meio a dezenas de analfabetos, Elysee Augustin, 37, e Jean Denis Alaime, 29, aparecem como exceções.
Falam inglês, francês, espanhol, português e creole, a língua nativa, e atuaram como intérpretes nas entrevistas da Folha com os colegas.
Augustin é formado em sociologia e iniciou um mestrado em antropologia na República Dominicana, enquanto o Alaime fez faculdade de engenharia industrial, também no país vizinho ao Haiti.
A forma como os dois chegaram ao Brasil também foi diferente. Eles pagaram cerca de US$ 2.500 por uma passagem de avião, com escala no Panamá.
A maioria dos demais, no entanto, entrou sem visto, por via terrestre, contratando “coiotes” para atravessar a fronteira, num itinerário que passa por Panamá, Equador e Peru até chegar à fronteira com o Acre.
Augustin disse que preferiu o Brasil aos EUA por questões ideológicas. “Os americanos fizeram muito mal ao povo haitiano”, disse.
Há dez meses em São Paulo, ajuda os recém-chegados, iniciando-os no português e dando orientações sobre como regularizar a documentação e procurar trabalho.
Ele disse que até já conseguiu um emprego, mas desistiu. “No Haiti, eu era sociólogo, mas aqui o máximo que consegui foi ser gerente do McDonald’s”, disse.
Alaime também reclama. No Haiti era professor de línguas, mas no Brasil só conseguiu trabalhar como auxiliar numa empresa. Por isso, pensa em voltar a estudar. “Tenho que ver como o mercado está e de que tipo de profissionais o Brasil precisa.”
Minoria
No grupo de despejados, apenas quatro mulheres, todas desempregadas. Uma delas conseguiu emprego, mas logo foi demitida. O desconhecimento da língua é o maior problema, segundo Darvil Syna, 27, que está no Brasil há quatro meses.
“Não fiquei muito tempo porque não entendia a língua”, disse Darvil, antes de relatar o desejo de não retornar ao Haiti. “Lá não há emprego para quem não é simpatizante do governo”, disse.
Em vez disso, ela afirma ter esperanças de encontrar um emprego no Brasil e ganhar dinheiro suficiente para trazer o resto de sua família.
Valmar Huspsel Filho
(Folha de SP – 08/05/2013)

Nenhum comentário:

Postar um comentário