Gringos com alma curitibana
Um peixe fora d’água. Era assim que a professora cubana Teresita Campos, 55 anos, se sentia quando desembarcou em Curitiba, em 1997, como convidada para dar aulas na Universidade Tuiuti. Mas o “desconforto” não durou muito tempo e os vínculos com a nova terra foram se estabelecendo a cada dia. Ainda mais porque os filhos se mudaram com ela, criaram família aqui e seus netos são brasileiros.
Kathryn Dalley, 37 anos, abandonou a antiga vida na Nova Zelândia e, em julho deste ano, se mudou para uma casa rodeada de muito verde em Santa Felicidade. O motivo da repentina mudança tem nome e sobrenome: Paulo Tramujas, um curitibano que conheceu em uma festa na Cidade do México no último réveillon. A paixão, conta o casal, foi como um tornado e ela desembarcou de mala (e sem cuia) na capital paranaense.
Números
As dez nacionalidades mais presentes na capital do Paraná em 2010:
Estados Unidos: 2.724
Espanha: 973
Reino Unido: 901
Japão: 890
Portugal: 689
Itália: 649
Alemanha: 470
Canadá: 426
França: 387
Austrália: 330
Espanha: 973
Reino Unido: 901
Japão: 890
Portugal: 689
Itália: 649
Alemanha: 470
Canadá: 426
França: 387
Austrália: 330
*Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Pelo menos 10.253 estrangeiros vivem em Curitiba, segundo os dados do Censo de 2010. Isto é 0,6% da população total. “É um número muito pequeno”, avalia Julio Suzuki, diretor do centro de pesquisa do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes). “Mas é uma situação comum a todo o Brasil que é um país fechado demograficamente e tem leis de imigração muito rígidas.”
Mas, nos últimos anos, os fluxos migratórios recomeçaram com certa intensidade. De 2000 para 2010, a população estrangeira no Brasil dobrou. “Nos últimos anos, vieram americanos, japoneses, franceses, espanhóis, portugueses, coreanos e chineses, mas poucos do Mercosul”, diz Rafael Wolff, gerente comercial da Imóveis Exclusivos, imobiliária especializada em locar residências para estrangeiros. “Neste segmento específico atendemos de 50 a 100 pessoas por ano”, comenta, referindo-se principalmente a diretores e executivos que vêm para Curitiba para trabalhar em empresas multinacionais.
A vinda de tanta gente de fora acaba fazendo com que a cidade ganhe outros contornos. O comportamento reservado típico dos curitibanos, que teve em parte raízes na imigração europeia dos séculos 19 e 20, por exemplo, tem mudado com o tempo e, por que não dizer, com os novos moradores. “É inegável que as diversidades culturais e de hábitos dos estrangeiros acabam se incorporando aos costumes locais e enriquecem a sociedade”, diz Suzuki.
Mel Gabardo/Gazeta do Povo
O amor não conhece fronteiras
Kathryn Dalley, 37 anos, é, sem dúvida, uma cidadã do mundo. Nascida em Auckland, na Nova Zelândia, ela visitou 58 países e o Brasil foi seu último destino. Ela chegou a Curitiba em junho deste ano atrás de seu grande amor: “Eu e Paulo nos conhecemos na Cidade do México e nos apaixonamos. Ele passou seis semanas na minha cidade, mas quando resolveu voltar a Curitiba, vim com ele”.
Kathryn ainda não fala português, mas garante que sabe sambar muito bem. Ela conta que aprendeu na Nova Zelândia com um grupo de dançarinas brasileiras e chegou até a se apresentar em teatros em Sidney, na Austrália.
Enquanto procura emprego como assistente executiva, ensina inglês em uma escola de idiomas e aproveita para conhecer a cidade. “O dia em que cheguei foi maravilhoso. Era um domingo ensolarado e fizemos um churrasco no Parque Barigüi.” A primeira impressão sobre Curitiba é de um bom lugar para se viver, com uma atmosfera rústica e moderna ao mesmo tempo, que lembra as cidades europeias.
Para não perder o vínculo com o país natal, fez amigos neozelandeses por meio do Facebook. “São cinco pessoas do meu país e um deles mora na minha rua. Uma vez por mês nos encontramos para conversar e trocar nossas experiências”, diz.
Na foto, família unida: Kathryn Dalley e Paulo Tramujas com a pitbull Chica.
• O que Kathryn Dalley acha dos brasileiros?
“São alegres, felizes e só pensam no presente, sem se preocupar muito com o futuro. Exatamente o contrário do que acontece na Nova Zelândia”.
“São alegres, felizes e só pensam no presente, sem se preocupar muito com o futuro. Exatamente o contrário do que acontece na Nova Zelândia”.
• O que não gosta do Brasil?
“A burocracia e o frio do inverno curitibano.”
“A burocracia e o frio do inverno curitibano.”
• Comidas preferidas?
“Feijoada e costela assada.”
“Feijoada e costela assada.”
Em busca dos sonhos na nova terra
Mel Gabardo/Gazeta do Povo
Roberto Rosati em seu laboratório no Hospital Pequeno Príncipe
Roberto Rosati em seu laboratório no Hospital Pequeno Príncipe
Se o Brasil é um país de oportunidades, o italiano Roberto Rosati, 39 anos, encontrou a sua. Doutor em Farmacêutica pela Universidade de Perúgia, é hoje pesquisador no laboratório do Hospital Pequeno Príncipe. Entre provetas e reagentes químicos, Rosati busca baratear o custo do exame do Sistema Único de Saúde (SUS) que detecta a leucemia. Um feito que, quando atingido, mudará a vida de milhares de crianças brasileiras.
Há sete anos, quando deixou o pequeno burgo medieval de Gubbio em companhia da esposa, a curitibana Regina Izé, nem imaginava que a sua vida pudesse tomar esse rumo. “Lá não tínhamos muitas perspectivas e resolvemos vir para a cidade dela e construirmos uma nova vida.”
Quanto às diferenças entre Curitiba e sua cidade natal, ele afirma que a realidade aqui é muito diferente. “Mas gosto de morar no Brasil. Há muito verde e a natureza é deslumbrante. Quando cheguei, vi pela primeira vez os ipês floridos. Foi uma imagem maravilhosa”, conta com seu sotaque carregado. Hoje, ele tem uma filha de 4 anos e uma única certeza: a de querer ficar em Curitiba com a sua família mais brasileira que italiana.
• O que Roberto Rosati mais gosta do Brasil?
“A natureza.”
“A natureza.”
• O que mais o preocupa?
“A violência diária.”
“A violência diária.”
• O que acha das novelas?
“É incrível como nas novelas você vê pessoas tão malvadas capazes de odiar de uma maneira tão intensa”.
“É incrível como nas novelas você vê pessoas tão malvadas capazes de odiar de uma maneira tão intensa”.
Mel Gabardo/Gazeta do Povo
Quando a fé indica o melhor caminho
Shahla Maani Shaikhzadeh, 58 anos, tem traços típicos do Oriente Médio. Ela nasceu no Irã, mas, após 44 anos no Brasil, o sotaque persa praticamente desapareceu. Quando desembarcou em dezembro de 1968, aos 14 anos, o Irã ainda vivia sob o comando do xá Mohammad Reza Pahlavi. A revolução iraniana ocorreria só em 1979, tornando as perseguições contra as minorias étnicas e religiosas ainda mais duras.
Sua família veio ao Brasil com uma missão: espalhar a Fé Bahá’í, a religião fundada pelo profeta Bahá’u’lláh, em 1844, na antiga Pérsia. “Fomos pioneiros no Brasil. Quando cheguei, não conhecia quase nada sobre o país, mas também na escola quase ninguém sabia coisa alguma do Irã.”
A nova cultura mudou muitos dos seus hábitos, mas Shahla ainda tenta manter tradições e costumes, como preparar um típico chá no samovar, uma chaleira muito utilizada na Ásia Menor. “O que eu encontrei no Brasil foi a grande liberdade: aqui ninguém sofre preconceitos religiosos”, diz. Vontade de voltar ao Irã? “Só para passear”, afirma ela, que é casada com o também iraniano Foad Shaikhzadeh e tem dois filhos.
• O que Shahla Shaikhzadeh acha de Curitiba:?
“É uma cidade modelo com um transporte público muito bom”.
“É uma cidade modelo com um transporte público muito bom”.
• O que acha dos brasileiros?
“É um povo alegre e amistoso. Dizem que os curitibanos são frios, mas eu sempre fui muito bem recebida”.
“É um povo alegre e amistoso. Dizem que os curitibanos são frios, mas eu sempre fui muito bem recebida”.
• O que a preocupa?
“A insegurança”.
“A insegurança”.
Acolhida com carinho fez a diferença
Mel Gabardo/Gazeta do Povo
A cubana Teresita Campos, 55 anos, chegou a Curitiba, em 1997, como professora convidada pela Universidade Tuiuti. “No começo, me senti deslocada. Mas fui acolhida com carinho e me enturmei facilmente com meus colegas. Se não fosse por eles, não teria ficado”, recorda ela, que ensina Letras e dá aula de Língua Espanhola.
Para matar as saudades do país caribenho, Teresita promove com amigos festas cubanas em uma chácara. “Preparamos comida típica, falamos gírias que não temos possibilidade de usar no dia a dia, dançamos salsa, bebemos rum e fumamos charutos”, conta.
Sobre o futuro, a professora ainda vive algumas incertezas. “Acumulei 24 anos de trabalho em Cuba e 15 no Brasil, mas como não há acordos bilaterais entre os países, não tenho direito à aposentadoria em nenhum dos dois.” Hoje, ela vive em Curitiba com toda a família e os netos são brasileiros.
• O que Teresita Campos acha de Curitiba?
“É uma cidade linda, bem planejada e com pessoas educadas. Dizem que as pessoas são frias, mas eu fiz boas amizades no ponto de ônibus”.
“É uma cidade linda, bem planejada e com pessoas educadas. Dizem que as pessoas são frias, mas eu fiz boas amizades no ponto de ônibus”.
• O que aprendeu no Brasil?
“A separar o lixo.”
“A separar o lixo.”
• Do que mais sente falta?
“Em Cuba, as pessoas têm um sentimento de solidariedade muito maior do que aqui e se ajudam mais. Por exemplo, oferecer carona é quase obrigatório para quem tem um carro”.
“Em Cuba, as pessoas têm um sentimento de solidariedade muito maior do que aqui e se ajudam mais. Por exemplo, oferecer carona é quase obrigatório para quem tem um carro”.
Mudança de rumo na cidade certa
Mel Gabardo/Gazeta do Povo
Augustine Ukeje com o filho Lucas
Augustine Ukeje com o filho Lucas
O que trouxe o nigeriano Augustine Ukeje, 44 anos, ao Brasil foi a vocação. Ele desembarcou por aqui para estudar Teologia e se tornar padre, mas quando foi ordenado diácono, o medo tomou conta. “Temia ficar sozinho quando envelhecesse e deixei a Igreja.” Hoje, ele trabalha como porteiro noturno em um prédio de Curitiba, mas mantém o gosto pelos estudos que aprendeu na faculdade (se formou em Letras na Nigéria e em Filosofia e Teologia no Brasil) e pelas línguas. Ukeje fala fluentemente português, inglês, francês e ibu, um dos dialetos da sua terra, e um pouco de alemão.
O Brasil foi para ele a terra das oportunidades. Casou com a curitibana Irene e tem um filho, Lucas, de 7 anos, que torce para duas seleções de futebol: Brasil e, claro, Nigéria. “Pretendo ficar aqui até meu filho crescer, depois ainda não sei. Enquanto temos saúde, podemos construir a nossa vida em qualquer lugar do mundo”, diz sorrindo. Ukeje admite que tem saudade da terra natal, mas acha difícil voltar por causa dos problemas políticos e econômicos.
• Com que Augustine Ukeje se surpreendeu no Brasil?
“Com os abraços. Os brasileiros se abraçam muito, na África não temos esse costume. É com certeza um ponto muito afetuoso”.
“Com os abraços. Os brasileiros se abraçam muito, na África não temos esse costume. É com certeza um ponto muito afetuoso”.
• Do que sente falta?
“Da família, dos amigos e de caçar. Na Nigéria costumamos caçar capivaras, búfalos e porcos do mato”.
“Da família, dos amigos e de caçar. Na Nigéria costumamos caçar capivaras, búfalos e porcos do mato”.
• O que gostaria de fazer?
“Tentamos criar uma comunidade de nigerianos em Curitiba, mas somos poucos e não temos apoio da embaixada”.
“Tentamos criar uma comunidade de nigerianos em Curitiba, mas somos poucos e não temos apoio da embaixada”.
Estrangeiros contam como é viver em Curitiba
Veja as motivações que levaram cinco pessoas de outros países a adotar a capital paranaense como novo lar e como se adaptaram à nova vida.
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