quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Audiência na Assembleia discute situação irregular de centenas de senegaleses em Caxias do Sul - RS


Foto: Por Bernardo Jardim Ribeiro/ Sul21
A vereadora Denise Pessôa, de Caxias do Sul, trouxe a questão para a Assembleia Legislativa | Foto: Por Bernardo Jardim Ribeiro/ Sul21
Débora Fogliatto
Desde outubro do ano passado, centenas de senegaleses chegaram ao município de Caxias do Sul, na serra gaúcha. A comunidade de imigrantes vindos do país localizado no noroeste africano já conta com mais de 600 pessoas apenas na cidade. Sem serem considerados refugiados, sem visto humanitário ou de trabalho, os senegaleses sofrem com condições precárias de moradia, saúde e trabalho.
A situação desses imigrantes foi tratada em audiência pública realizada pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa nesta quarta-feira (13). A vereadora Denise Pessôa (PT), que preside a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Caxias do Sul, trouxe as reivindicações que já estão em debate na cidade. Alguns membros da comunidade de imigrantes também estiveram presentes, e foram representados pelo líder da Associação de Senegaleses, Abdou Lahat Noiaye, conhecido como Bili.
A audiência foi guiada pelo presidente da Comissão, Jeferson Fernandes (PT), e pela deputada Marisa Formolo (PT), que convocou a audiência. Ela afirmou que a convocação é decorrência do trabalho feito pela Câmara de Caxias. Marisa criticou a dificuldade em enquadrar os imigrantes de forma que eles possam adquirir documentos. “Entendo que para aceitar senegaleses dentro de um plano humanitário, é preciso critérios. Mas fome não é um critério? Falta de trabalho não é um critério?”, indagou.
Vereadora e senegaleses relatam dificuldades
O apoio aos senegaleses é dado principalmente pelo Centro de Atendimento ao Migrante, das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo-Scalabrinianas, de Caxias do Sul, e pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Denise Pessôa, presidente da comissão, explicou os diversos obstáculos que os imigrantes enfrentam ao se estabelecer na cidade. “Eles encaminham pedido de refúgio, que muitas vezes é negado. Quando isso acontece, estão sujeitos a ser explorados em seus trabalhos”, lamenta.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/ Sul21
Vários senegaleses assistiram à audiência | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/ Sul21
Abdou Lahat Noiaye, o Bili, denuncia que diversos imigrantes se machucaram nos empregos nas fábricas e, por estarem em situação irregular, não receberam assistência por parte das empresas e, em alguns casos, foram demitidos. “Muitos têm dificuldade de acesso à saúde, porque no hospital não entendem o que eles falam. Em um caso, uma mulher grávida em trabalho de parto foi ao hospital, onde disseram que precisavam esperar alguém para traduzir”, conta.
De acordo com Denise, os cerca de 600 senegaleses chegaram à cidade em busca de emprego, e em sua maioria já estão trabalhando. Agora, a comissão tenta encaminhar vistos de trabalho para os imigrantes, embora esse tipo de documentação normalmente só seja fornecido para quem ainda não entrou no Brasil. “Quando a gente chega aqui, sofre mesmo, temos dificuldade com trabalho, moradia e com a língua. Além disso, a Polícia Federal demora meses para encaminhar os documentos”, narra Bili.
Sem documentos, os senegaleses não podem alugar imóveis, e também enfrentam problemas de moradia. “O albergue da cidade não aceita pessoas na situação deles. Se não fosse o Centro ao Migrante, muitos estariam na rua”, afirma. A congregação alugou uma casa durante um ano para abrigar alguns imigrantes, em parceria com a Prefeitura, que havia prometido construir uma casa de passagem, o que ainda não ocorreu.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/ Sul21
Abdou Lahat Noiaye, o Bili, denunciou as dificuldades que os imigrantes enfrentam | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/ Sul21
“O prefeito de Caxias disse que não pode dar atenção a isso porque precisa ‘cuidar dos nossos’. Os nossos é só quem nasceu em Caxias?”, indignou-se a vereadora, garantindo que os senegaleses “ajudam a construir nossa cidade no dia-a-dia”. Ela relata que há duas Caxias, “uma dos brasileiros e uma dos imigrantes”, que há dificuldades em conseguir qualquer avanço por parte do prefeito Alceu Barbosa Velho (PDT) e da secretaria de Assistência Social. Denise ainda se preocupa que a tendência seja a imigração aumentar, enquanto não há mudança de visão por parte da prefeitura.
Bili narra que, no Senegal, as famílias são grandes e frequentemente um membro vai para outro país, onde pensa que pode “encontrar uma vida melhor”. Ele explica que não há tantos trabalhos em seu país e que as pessoas que saem ajudam as famílias. “Chegamos aqui sem roupa, sem mala, sem dinheiro, sem nada. Precisamos trabalhar para mandar dinheiro para as nossas famílias”, conta.
Encaminhamentos
A Irmã Maria do Carmo, do Centro de Atenção ao Migrante, relatou que o número de pessoas aumentou muito nos meses de fevereiro e março deste ano. “Um primeiro grupo, que veio em outubro do ano passado, chegou com visto de turista. Mas esse ano muitos vieram pela fronteira do Acre, a partir do Equador”, relata. Ela defende que haja ações do governo que garantam que as pessoas não coloquem em risco suas vidas para chegar ao estado. “Sinto que estamos tratando de uma questão emergencial, extraordinária, de forma ordinária. Essas pessoas aceitam qualquer tipo de trabalho só para serem acolhidas”, afirma.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/ Sul21
Audiência terminou com encaminhamento de criação de grupo de trabalho | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/ Sul21
A dificuldade dos imigrantes de conseguirem se regularizar é atribuída a problemas na lei migratória. “Estamos presos a uma lei de 1980. As pessoas sem CPF não podem nem entrar no cadastro de programas sociais”, lamenta a antropóloga Denise Jardim, professora da UFRGS. Ela acredita que a própria Assembleia tem um “papel muito importante” no debate sobre imigrações.
O doutorando em Ciências Sociais Mumbadu Alfa Dialo veio de Senegal para estudar na UFRGS e acredita que a comunidade de estudantes do país pode ajudar na situação dos imigrantes de Caxias do Sul. “Os senegaleses que vêm para cá de forma irregular não são miseráveis, mas procuram vida melhor aqui. O Brasil é um dos melhores destinos atualmente, porque está em crescimento, enquanto a Europa está em crise”, expõe. Ele acredita que seja importante chamar para o debate a Embaixada do Senegal no Brasil, assim como o Itamaraty.
O deputado Jeferson Fernandes propôs unificar instituições para que sejam definidos quais problemas serão atendidos com prioridade. Ele lista especialmente a alimentação, a saúde e a moradia. O deputado sugeriu a criação de um grupo de trabalho estadual que conte com lideranças presentes na audiência, junto com o prefeito da cidade e outras instituições. A vereadora Denise afirmou que já existe um GT em Caxias do Sul em nível municipal, que pode ser integrado para ter mais força. Ela irá participar de uma reunião na sexta-feira da semana que vem (22) em Brasília para tentar obter vistos de trabalho para os imigrantes.
O senador Paulo Paim (PT) também se dispôs a ajudar, assim como o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social do rio Grande do Sul. Denise sugeriu que o Ministério Público também se envolva, assim como a Polícia Federal, com a qual já conseguiu contato através do gabinete do deputado Adão Villaverde (PT). A deputada Marisa Formolo também pediu que os estudantes senegaleses estejam presentes na reunião, assim como algum deputado federal e as secretarias nacionais de Direitos Humanos e Igualdade Racial.

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