quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Imigrantes do Senegal comemoram dia sagrado e conquistas de direitos em Caxias do Sul - RS

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Débora Fogliatto
No Senegal, milhões de fieis da Irmandade Muride, ordem religiosa islâmica, dirigiram-se para a cidade de Touba no dia 22 de dezembro, para comemorar o dia sagrado de sua religião. A Grand Magal de Touba (Grande Festa de Touba) é celebrada no dia 18 do mês lunar de Safar em todo o país, quando peregrinos vão até a Grande Mesquita reafirmar seu compromisso com a confraria fundada pelo Cheikh Ahmadou Bamba.
Neste ano, a cidade de Caxias do Sul, na serra gaúcha, recebeu sua própria versão da Grande Magal. Centenas de imigrantes rezaram, cantaram e agradeceram em suas línguas natais – francês e wolof – em português e em árabe, língua do Alcorão. A festa foi realizada no salão da igreja Nossa Senhora de Fátima, no bairro Cidade Nova, começou às 10h e durou todo o domingo. Os senegaleses usaram trajes típicos e uma camiseta feita especialmente para a ocasião e não economizaram nas comidas e bebidas – refrigerante, suco e água, pois álcool, assim como cigarro, não é consumido pelo grupo.
Em Touba, os peregrinos são recebidos nas casas dos moradores sem pagar nada, e os fiéis economizam dinheiro para gastar em comida neste dia. Em Caxias, a comunidade arrecadou dinheiro entre os senegaleses, enquanto as visitas – os brasileiros que participaram da festa – não pagaram nada.
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A festa reuniu senegaleses e convidados brasileiros | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
A Caxias senegalesa
Os cerca de 650 imigrantes começaram a chegar na cidade principalmente desde o ano passado, trabalhando em indústrias e vivendo em alojamentos ou apartamentos compartilhados. São, em sua maioria, homens jovens que viajam para conseguir empregos melhores e mandar o dinheiro para as famílias que ficaram no Senegal. A situação econômica  do Brasil e as possibilidades de trabalho em Caxias são consideradas motivos para o grande fluxo de imigrantes, que tende a continuar constante.
Por entrarem de forma ilegal, muitos tinham dificuldade em conseguir moradia, assistência médica e condições formais de trabalho. Agora, a partir de uma reunião realizada no dia 10 de dezembro com o Conselho Nacional de Imigração (CNIg), a regularização está mais próxima. A irmã Maria do Carmo, coordenadora do Centro de Atendimento ao Migrante de Caxias do Sul, foi uma das pessoas que se envolveu na luta dos senegaleses pela conquista de documentação.
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Os senegaleses agradeceram à irmã Maria do Carmo, coordenadora do Centro de Atendimento ao Migrante| Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Ela explica que o CNIg irá fornecer vistos de permanência para os imigrantes que se encaixarem em três critérios: quem está há mais de 6 meses no país, ou a menos, mas trabalhando formalmente, ou para quem tem algum parente de primeiro grau que se encaixe nos dois primeiros critérios. Maria acredita que praticamente toda a comunidade será contemplada. “A imigração gera uma série de demandas. Eles são rapidamente absorvidos no mercado de trabalho e agora irão conseguir a documentação, mas tem a questão de moradia, da saúde, de poder encontrar seu espaço de integração no município”, acredita. “O município tem que começar a se estruturar agora, trabalhar na gestão da imigração”, completa.
Maria do Carmo foi uma das pessoas citadas pelos senegaleses durante os agradecimentos da comemoração e chamada por eles para falar algumas palavras a respeito do dia e da comunidade. “Às vezes parece que estamos no Senegal, porque nos sentimos em casa. A irmã Maria nos ajuda muito muito muito”, falou o líder da Associação de Senegaleses, Abdou Lahat Noiaye, conhecido como Bili. “Quando ela soube que íamos receber permanência, ela chorou”, afirmou. A irmã disse já se considerar parte da comunidade, da família de senegaleses. “Vocês souberam construir comunidade, construir um pedacinho de sua família aqui. Já me sinto parte da família de vocês”, disse.
A Grand Magal de Touba
Após os agradecimentos e explicações a respeito do dia sagrado, o hino do Senegal foi entoado pelas vozes de todos os imigrantes presentes, sem acompanhamento instrumental. A música é sempre presente na festa, marcada pela leitura de passagens do Alcorão e de poemas de Bamba em ritmos diversos e, algumas vezes, acompanhadas por batuques de tambores.
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Os senegaleses se emocionam entoando o Alcorão em forma de músicas | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Um grupo de senegaleses ficava em cima do pequeno palco no fundo do salão, ajoelhados em roupas típicas com cópias impressas do Alcorão, lendo, recitando e cantando. Os que sentaram nas mesas compridas dispostas pelo salão muitas vezes acompanhavam os versos do livro sagrado e ouviam as rezas enquanto conversavam e comiam. A abundância da comida, que contou com carne de gado, galeto, batata frita, pão, saladas, frutas e o prato thiebou djiene – comida tradicional que consiste em peixe, arroz, cenoura e aipim – não é surpreendente para os senegaleses. “Hoje é um dia que todo mundo fica feliz no Senegal. Os peregrinos que vão são recebidos nas casas das pessoas sem pagar nada. Dizemos que tudo o que tu faz nesse dia, ano que vem vai receber mais”, explica Bili.
Ele e outros senegaleses usam uma camiseta com os dizeres “Bamba Feep, Bamba Partout”, que significa, em wolof e em francês, “Bamba está em todos os lugares”. A camiseta e o pôster com o nome da festa foram desenhados por Cheikh Mbacke Gueye, conhecido como Michel, dono de uma gráfica e experiente em artes gráficas. Exigente, ele acredita que a festa não estava tão organizada quanto poderia. “Fazemos o máximo para as visitas ficarem satisfeitas, tratamos as visitas como se fossem da família. Se eu convidar alguém para uma festa, é de graça. Então nós juntamos dinheiro e pagamos tudo”, esclarece, em um português impecável.
Michel é um dos senegaleses que está há mais tempo no país. Ele chegou há três anos e já morou em Minas Gerais, no Paraná e em Nova Araçá. Nesse período, também já voltou ao seu país duas vezes, mas sempre retornou ao Brasil. Ele aprendeu português sozinho, quando chegou “não falava nem oi”. “Eu quero conhecer tudo, agora estou aprendendo inglês”, conta.
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Michel, que já mora no país há 3 anos, tem sua própria gráfica| Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Integração em Caxias
Extremamente receptivos, os senegaleses tratam cada pessoa com muita atenção e respeito. “Nós cumprimentamos as pessoas. Tem gente aqui que eu já cumprimentei dez vezes hoje, porque isso é sinal de respeito”, explica Michel. Maria do Carmo acredita que, por isso, a comunidade deve se integrar com relativa facilidade à sociedade caxiense. “Acho que eles têm uma boa perspectiva de integração, porque tecem relações muito facilmente. É positivo esse movimento deles, dessa festa deles, de eles quererem trazer outras pessoas”, afirma
A pequena Arame, de um mês, parece representar a forma como os senegaleses já se sentem em casa na cidade. Seus pais chegaram há cerca de dez meses no Brasil e ambos falam bom português. Tranquila, a bebê dormiu nos braços da mãe e das outras duas mulheres presentes durante a festa. “De dia ela dorme assim, de noite não”, brincou Codou, que um mês após o nascimento da filha já não apresentava vestígios da barriga de gravidez. Uma das poucas mulheres que vieram para o Brasil, ela também usava uma roupa típica para a celebração, um vestido roxo e rosa. Diferentemente do que se poderia pensar a respeito de mulheres muçulmanas, as três senegalesas presentes na festa não cobriam o cabelo nem o rosto.
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Codou e a pequena Arame: uma das primeiras crianças nascidas em Caxias filha dos imigrantes senegaleses | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
As vestimentas são coloridas e, no caso dos homens, consistem em uma comprida bata larga e uma calça por baixo. No dia a dia em Caxias, eles preferem usar roupas brasileiras, guardando as típicas para ocasiões especiais. “Eu usava sempre, mas aqui não. Tem gente que acha que é pijama”, relata Michel, rindo. Enquanto se retiravam da festa, nas ruas do bairro Cidade Nova era possível avistar os senegaleses andando em seus trajes típicos, voltando para suas casas.
Já com empregos, após conseguirem seus documentos os senegaleses ainda precisarão enfrentar a tarefa de se integrar na sociedade caxiense, prioritariamente composta por descendentes de europeus. Perguntado sobre possível preconceito das pessoas da cidade – que insistem em se referir aos senegaleses como haitianos, confundindo com outro grande grupo de imigrantes – Michel não demonstra preocupação. “Em todo país tem pessoas que aceitam bem e as que não. Quem não gosta de nos é porque não nos conhece”, acredita.
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