Em meio à tendência de retorno dos brasileiros que deparam com a crise no Exterior, a constatação: os que voltam para o Estado têm renda média de quase três salários mínimos, superior à média nacional
A economia brasileira sem maiores sobressaltos nos últimos anos e o desemprego em um dígito (5,8% em abril), contrastados com a crise que deixa 23 milhões de pessoas desocupadas na Europa, provocam, no Brasil, o que já é chamado de Operação Retorno.
Para o Rio Grande do Sul, vieram 14 mil (4,7%) do total dos 298.874 chamados retornados. Com um detalhe: a média salarial de quem chega ao Estado é de 2,94 salários mínimos, superior à média nacional dos que voltam, de 2,35 salários.
Os dados são de estudo feito com exclusividade para Zero Hora pelo demógrafo Wilson Fusco, que vive na França, onde cursa pós-doutorado sobre migração e identidade. O retorno de brasileiros entre 2001 e 2010, segundo Fusco, teve aumento de 60% em relação à década anterior. Na média, são pessoas de 30 anos.
Pelos dados do Itamaraty, resultantes de apurações nos consulados, reduziu-se em quase 20% o número de brasileiros residentes no Exterior (de 3 milhões para aproximadamente 2,5 milhões). A ministra Luiza Lopes da Silva, diretora do Departamento Consular e de Brasileiros no Exterior, avalia que o retorno é complicado e, por vezes, frustrante.
— É importante termos consciência de que o movimento é intenso e que, quando o imigrante retorna, o problema não termina. É preciso que lhes mostremos o caminho das pedras. Temos de ajudá-los a se situar — diz a ministra.
Publicitária de formação, Adriana Coelho, 41 anos, viveu a infância e a juventude entre Canoas e Porto Alegre, e, aos 30, em dezembro de 2002, foi para Coimbra, em Portugal. Há três meses, Adriana retornou. Vive em um apartamento no centro de Canoas, dá aulas de inglês em Porto Alegre e ainda mantém roupas e livros espalhados em uma ampla sala.
— Eu estava empregada, mas ganhava pouco e não via perspectivas. Cheguei aqui e, em uma semana, já tinha duas entrevistas de emprego. Se Portugal não estivesse em crise, não sei se voltaria — conta ela.
Adriana trabalhava como vendedora em uma loja de scrapbooking (montagem de fotos em painel) e fazia traduções. Casou-se com um português, professor de história da arte, de quem depois se separou. Restou a amizade, com o ex-marido e com outros portugueses. Quando se comunicam, todos lhe indagam o mesmo: “As coisas estão mais fáceis aí?”
Sua resposta é: há mais emprego, realmente. Mas a carestia e a violência assustam a gaúcha. Arrependimento?
— Não, estou muito feliz por ter voltado — diz Adriana com o sotaque brasileiro dando o tom para frases com expressões portuguesas.
No final de março, para orientar o contingente de pessoas que pretendem voltar ao Brasil, o governo lançou o Portal do Retorno (http://retorno.itamaraty.gov.br). Objetivo: explicar procedimentos burocráticos úteis, como a possibilidade de contar o tempo de trabalho fora do país para aposentadoria.
Os dados do Itamaraty se baseiam mais em estatísticas. A exceção é o Japão, onde todos os imigrantes são cadastrados pelo governo local. De 2007 a 2012, o número de brasileiros no país caiu de 313 mil para 193 mil. Um deles é Eduardo Oikawa, 68 anos, que voltou a São Paulo depois de 19 anos e trabalha como motorista.
— Primeiro foi o choque da crise. Depois, quando parecia que ia melhorar, veio o terremoto (de Fukushima, em 2011). Mas, para uma pessoa com a minha idade, as coisas não são fáceis no Brasil — afirma Oikawa.
Com a família europeia, um negócio aberto na Capital
A porto-alegrense Isadora Bressiani estava havia nove anos vivendo seu cotidiano em Londres. Formada em Administração de Empresas, conseguiu bom emprego no setor financeiro de uma multinacional. Tão tranquila era sua vida que se apaixonou pelo sueco Anders Hoji, colega de trabalho. O flerte era um sinal de o quanto tudo corria bem, de como Isadora estava à vontade no país onde foi morar. O namoro veio em seguida. E o casamento.
Tudo ótimo, dizia ela diariamente ao refletir sobre a nova vida.
Um ano e nove meses atrás, tiveram sua filha, a loirinha de olhos azuis Isabella. Mas havia um problema inquietante: Isadora estava enfarada no emprego e não via outras perspectivas. Feliz na vida pessoal, mas insatisfeita na profissional. Hoji compreendeu que a mulher precisava de mudanças e topou fazer parte desse processo.
Começaram, então, a surgir informações a respeito das oportunidades que apareciam no Brasil. Hoji sempre tivera o sonho de abrir o próprio negócio. As peças se encaixavam. E eles decidiram: viriam para o Brasil.
— Como foi isso, ele aceitou tranquilamente? — pergunta Zero Hora.
— A iniciativa foi dele, que me viu triste e sempre quis abrir algum negócio, seja onde fosse. Começamos a ver que as coisas estavam bem por aqui, e a decisão foi tomada. No Brasil, temos um mundo a ser desenvolvido. Na Grã-Bretanha, sentíamos que as coisas já estavam estagnadas.
Feito o carreto, como se diz na terra onde vão viver. Isadora, 34 anos, está em Porto Alegre de vez. Hoji, 32, vem aos poucos. Já se demitiu, mas prepara a mudança radical na sua vida. O importante é que os dois já trataram de montar seu negócio. Abriram a empresa OnTheGo, de sobremesas de frutas, com produtos importados da Itália.
— Estou muito otimista. Estou certa de que seremos felizes aqui — diz Isadora, que foi para a Europa e trouxe uma família.
Léo Gerchmann
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