Na serra gaúcha, já existem cerca de 400, que tentam se legalizar no Brasil com pedido de refúgio, para casos de guerra e desastres.
Os senegaleses Mady Cisse (sentado) e Adama Bocoum são dois funcionários de uma metalúrgica em Caxias do Sul, que fez manual e contratos em francêsFoto: Daniela Xu / Agência RBSCristiane Barcelos e Ana Mutterle
Sem visto, fugindo da falta de emprego, uma comunidade de cerca de 400 senegaleses surgiu em Caxias do Sul. A migração é baseada na expectativa de obter vaga em cidades com muitas empresas e controle menos rígido de estrangeiros em situação irregular.
Em Caxias, os senegaleses começaram a se concentrar nos últimos dois anos. No Estado, intensificou-se há cerca de cinco anos, especialmente em Passo Fundo. Lá, João Carlos Tedesco, professor do mestrado em História da Universidade de Passo Fundo (UPF) e a professora Denize Grzybovski descobriram que redes institucionais são formadas no Senegal para enviar pessoas ao Brasil. Dois senegaleses contaram ao jornal Pioneiro as dificuldades da trajetória.
Um deles, ainda na Bolívia, teve de entregar a mala e todo o dinheiro. Apenas com a roupa do corpo, pediu esmolas. Só conseguiu entrar no Brasil quando se juntou a 10 compatriotas, atravessando um rio em Corumbá (MS). O outro, casado e pai de dois filhos, perdeu dinheiro na fronteira entre Equador e Peru. A polícia – não sabe dizer de qual país – exigiu US$ 100 de cada um. Para cruzar a fronteira, no Acre, pagou US$ 25 a um taxista. Foram seis dias entre o Equador e o Brasil, parte em ônibus, parte a pé. Muitos tentaram, sem sucesso, vagas na capital de seu país, Dakar.
– Não aguentam ficar em casa sem poder ajudar a família – explica Aboulahat Ndiaye, conhecido como Billy, 26, há três anos em Caxias.
Apesar das barreiras, garante que a maioria não pensa em voltar:
– Nenhum africano deixa o outro sozinho. O vizinho é como se fosse da família, se não tiver dinheiro para comer, o africano dá.
Billy é solteiro e está regularizado. Quer ter uma loja, para administrar o tempo e ajudar os conterrâneos. A maioria pede ao Comitê Nacional de Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça, autorização para trabalhar por seis meses. Conforme a Polícia Federal, em 2012 foram protocolados 127 pedidos em Caxias. Os já analisados, cerca de 30, foram indeferidos. Não se enquadram na Lei do Refúgio. A legislação só prevê regularização em caso de guerras ou desastres naturais, como o terremoto de 2010 que permite aos haitianos visto humanitário por 10 anos.
Há vagas, mas adaptação é difícil
Além da documentação, a comunicação ainda é uma barreira para que os senegaleses se integrem ao mercado formal de trabalho. Segundo o presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul (Simecs), Getulio Fonseca, há lugar para essa mão de obra, mas não para qualquer atividade:
– Até para ensinar, é necessário se comunicar. Por mais que eles venham muito motivados a fazer hora extra e trabalhar, na hora de escolher, damos preferência aos brasileiros.
Presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Caxias do Sul (Sinduscon), Valdemor Antônio Trentin conta que os senegaleses não se adaptaram na construção civil.
– Tivemos várias experiências, mas nenhum ficou mais de 60 dias. Não é questão de língua, mas talvez pelo trabalho pesado – avalia.
Como os senegaleses são muçulmanos, a religião é um atrativo para frigoríficos que desejam exportar para os países islâmicos. Há exigência de certificados chamados halal, com rituais que definem regras de abate – entre as quais, ser feito por um muçulmano. Conforme o vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Alimentação de Caxias, Milton dos Santos, há mais de 150 senegaleses trabalhando em frigoríficos nos bairros Desvio Rizzo e Ana Rech, em Caxias, e também em Garibaldi.
– Não há mão de obra daqui que queira trabalhar em frigorífico. É um serviço rejeitado por ser frio, repetitivo. E não é muito bem pago. Algumas empresas optam até por buscar trabalhadores no Acre – afirma.
Segundo Milton, padarias e fábricas de massas também estão interessadas nos senegaleses, porque os trabalhadores locais consideram o salário baixo. No entanto, como os imigrantes vêm ao Brasil em busca de dinheiro, não permanecem muito onde não são bem pagos.
Rota transatlântica
Os senegaleses costumam ir de avião até Portugal ou Espanha e seguir até o Equador, onde há menos burocracia para desembarcar – embora possa haver cobrança de propina para liberação.
Às vezes, com auxílio de coiotes (pessoas que trabalham para ajudar na entrada ilegal), vão por terra do Equador ao Peru e até a Bolívia, ingressando no Brasil pelo Norte ou Centro-Oeste.
Embarcam em ônibus até São Paulo e, de lá, até Caxias do Sul. Outros preferem ir até a Argentina e atravessar a fronteira com o Rio Grande do Sul.
O que ajuda a bancar as despesas são as famílias mais numerosas do que as brasileiras. Além da poligamia – um homem pode ter várias mulheres –, há maior proximidade entre filhos, irmãos, tios e primos, que juntam recursos e investem em um deles, responsável por vir ao Brasil buscar trabalho.
O PIONEIRO
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