sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Grupo de haitianos em Caxias- RS


Conheça a história de um grupo de haitianos que veio a Caxias em busca de melhores condições de vida e independência. Os 21 imigrantes trabalham em um clube da cidade.
Após abrir a porta de uma das salas do prédio administrativo do Recreio da Juventude, a expressão de desconfiança no rosto dos 21 haitianos demonstrava que seria um desafio quebrar o gelo. De um lado, um grupo devidamente uniformizado, que trabalhava há uma semana nos setores de limpeza e manutenção do clube. De outro, um grupo que chegara em Caxias na noite anterior (17). Bonés quadrados, moletons e tênis caracterizava a turma recém-chegada, formada apenas por homens, com idades de 22 a 46 anos.
No início, a entrevista foi coletiva. Apenas um ou dois mais desinibidos respondiam claramente às primeiras perguntas, a maioria balançava a cabeça e murmurava como respostas. Onze deles levantaram a mão quando lhes foi perguntado quem havia deixado família no Haiti. Além de família, grande parte deixou para trás um passado de trabalho na área de construção civil. A escassez de empregos de um país destruído por desastres naturais, conflitos e miséria, no entanto, causou a emigração.
De repente, o grupo uniformizado começa a se agitar. Um ou dois levantam e os outros se olham à espera de uma resposta. “Um pega o crachá de todos”, disse a gestora Aristotelina de Castilhos Homem, a Tote. Era 13:30, hora em que deveriam voltar ao trabalho. Apesar das baixas, foi neste momento, de falar sobre um passado querido, ainda que sofrido, e das profissões anteriores, que eles começaram a se soltar. E, com metade da turma na sala, a conversa tomou um rumo mais pessoal.
O simpático Malisson Charles, de 46 anos, conta que era alfaiate no Haiti e que, além do ofício, deixou no país de origem 7 filhos – com idades entre 4 e 21 anos -, de dois casamentos. A atual esposa, com quem tem 5 filhos e a ex, com quem teve os outros dois, trabalham no comércio, assim como todas as esposas dos entrevistados. Malisson tem a missão de mandar dinheiro para o país, onde os pais precisam pagar para que os filhos entrem em uma escola, já que naquelas pagas unicamente pelo governo a disputa por vagas é acirrada. Assim como os colegas Jean Frantz Desir, de 41 anos, e Jean Neles Derilus, de 40, Malisson espera o visto permanente para trazer esposa e filhos para o Brasil.
Jovem e sem compromisso amoroso, Horismann Saint Cyr, de 25 anos, explica que sua permanência em algum dos países irá depender de sua futura (e ainda desconhecida) esposa.
“Se eu encontrar mulher aqui, fico aqui e visito lá. Se eu me casar com mulher do Haiti, vou pro Haiti”, explica.
Decepcionado, ele desabafa.
“A gente tem muita coisa na cabeça e chega aqui parece que não conhece nada”, lamenta, referindo-se à dificuldade de encontrar emprego como eletricista, em Manaus, onde os dois grupos estavam vivendo, com ajuda do Serviço Voluntário Pró Haiti, formado por agentes religiosos.
Cyr, assim como quase todos os entrevistados, não chegou a concluir o ensino médio. A viagem de Manaus a Caxias interrompeu, para alguns, os estudos no EJA.
A administração do Recreio da Juventude alugou duas casas, e também fornece alimentação e a assistência necessária para que eles possam se estabilizar durante os 3 primeiros meses. Além disso, explica Tote, eles trabalham separados, para que não conversem em seu dialeto e adquiram domínio sobre o português, o que lhes dará autonomia em qualquer emprego.
“Na maioria dos postos, eles se comunicam com os sócios”, justifica.
Tote diz que o maior desafio é a comunicação, mas que eles aprendem rápido e se esforçam em suas atividades. Aliás, trabalho não vai faltar, já que o clube está a todo o vapor para a realização do baile de debutantes e o início da temporada de verão.
Com quase uma hora de conversa, o grupo ficou confiante. Mudaram de ideia e deixaram o fotógrafo registrar o momento. Aliás, foi em um relato ao fotógrafo, Paulo Pasa, que Benjamin Modestin, de 22 anos, mostrou o olhar muitas vezes míope dos brasileiros sobre os haitianos.
Ele contou que trabalhava junto com o pai, que tem uma funerária no Haiti. Cursou Ciência da Informática e jogava basquete para a universidade na sua cidade de origem. Modestin fala Francês, Inglês e Português com fluência e não se importa com os trabalhos manuais, mas visa uma oportunidade de trabalhar na cidade em algum hotel ou atendimento. Sua estadia no Brasil tem prazo: pretende voltar para o Haiti depois da Copa de 2014.
“Tem gente que presta, e gente que não presta, gente com e sem faculdade. Nem todos que vêm do Haiti são ignorantes e têm como única aptidão a jardinagem. Estou qualificado para um emprego melhor, mas sou muito grato pela oportunidade que recebi aqui. Apenas não quero ser dependente deles por muito tempo.”
Modestin personifica o desejo de sua própria nação. De um povo que luta para transformar solidariedade em independência.

por  | 19/10/2012 às 10:57


Nenhum comentário:

Postar um comentário